terça-feira, 14 de setembro de 2010

O privilégio de Dona Flor

Fui assistir, no fim de semana, à peça Dona Flor e Seus Dois Maridos – baseada no romance de Jorge Amado – com Carol Castro, Marcelo Farias e Duda Ribeiro. A peça é, como eu já tinha ouvido falar várias vezes, ótima. Figurinos, cenário, sotaque baiano dos atores – maioria carioca – e até o vídeo que introduz a peça, tudo muito bem produzido. O riso vem natural e, às vezes, compulsivo, como na cena em que Teodoro (Duda Ribeiro) vai à casa de Flor (Carol Castro) pedi-la em noivado. Também há as pitadas de drama, como na morte de Vadinho (Marcelo Farias). Morreu no Carnaval, de cachaça e vadiagem, vestido de baiana.
Enfim, definitivamente uma peça para ser vista. Mas fiquei mais interessada na história de Dona Flor. Uma mulher séria, direita, trabalhadeira e de princípios. Ainda assim, uma mulher cheia de desejos – como todas, aliás. Casa-se com Vadinho, pilantra vagabundo e ótimo amante. Com a morte desse primeiro marido, se vê obrigada a superar o luto e se casa uma segunda vez, com o sério e cerimonioso farmacêutico Teodoro. Porém, se com o primeiro ela era infeliz, mas satisfeita, Flor agora é uma mulher infeliz e insatisfeita.
É para resolver esse problema que o espírito de Vadinho volta, para satisfazer Flor nos quesitos em que Teodoro não é capaz. Não é facilmente que a moça aceita a situação, mas há que se dizer que Vadinho é um mestre na retórica. Convence Flor de que ele e Teodoro não são adversários, mas sim “colegas”. Ambos casados com ela no papel e na Igreja, com igualdade de direitos. O golpe de misericórdia é o monólogo final, lindo, em que Vadinho finalmente convence Flor de que ela nunca será plena somente com um dos dois maridos. E ela cede, apaixonadamente.
Saí da peça imaginando a vida feliz de Dona Flor, com seus dois maridos. Teodoro é o perfeito companheiro, sério, leal, preocupado com o bem estar da esposa e provedor da casa. E Vadinho se ocupa da “vadiagem”, parte igualmente importante. Tem a única – mas não menor – função de satisfazer Flor em seus desejos mais viscerais, completando o cenário de felicidade plena daquela mulher que tem como ambição ser completa.
A peça, mais que entretenimento, “mi ha fatto un colpo”. Um golpe fulminante, que inseriu em mim um pensamento, aliás, um sentimento que não tenho conseguido abandonar: toda mulher merecia ser Dona Flor.

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